quinta-feira, 20 de março de 2008

Teovisão: as igrejas e a TV

O professor René Ariel Dotti, em seu artigo Desafios para o Poder Judiciário, publicado na edição de domingo (24.2.2008) da Folha de São Paulo em Tendências e Debates, abordou as múltiplas ações indenizatórias contra o referido veículo patrocinadas por seguidores da Igreja Universal do Reino de Deus.

O autor afirma: “Os recursos financeiros obtidos e aplicados por uma empresa que explora serviços de radiodifusão e com deveres inerentes à responsabilidade social podem e devem ser investigados pela imprensa. Trata-se de proporcionar o controle popular e democrático de um meio de comunicação social”.

Com efeito, em um Estado Democrático de Direito não é possível que uma empresa prestadora de serviço público de televisão por radiodifusão esteja imunizada diante do controle estatal e social, particularmente a verificação da legalidade do ato de outorga.

Daí porque, em havendo indícios de irregularidade no ato de outorga da concessão e (ou) permissão ocorra a abertura de processo administrativo por parte do órgão competente, para fins de aplicação das sanções cabíveis, nos termos da Lei nº 4.117/62 que regula o setor de radiodifusão, inclusive, se for o caso, a cassação da concessão.

Além disso, trata-se de uma excelente oportunidade para se discutir a regra constitucional que impõe a separação entre o Estado e as igrejas, vedando que a União estabeleça cultos religiosos ou igrejas, subvencione-os ou mantenha com elas ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público, conforme dispõe o art. 19, I, da Constituição do Brasil.

Ou seja, até ponto as igrejas ou seus representantes (diretos ou indiretos) podem ser proprietários de canais de televisão? Quais os limites constitucionais e legais? Como devo ser a colaboração de interesse público entre Estado e organizações religiosas?

Na prática, a inexistência de limites à propriedade de canais de televisão por entidades religiosas pode inclusive solapar o Estado Democrático de Direito, com a instalação no Brasil de uma teocracia, fazendo com que os poderes públicos adotem uma “teovisão” do mundo. O Brasil, ao invés de progredir em termos de democratização, pode se tornar um Estado religioso, como é o caso, por exemplo, do Irã.

Entendo que, em face da Constituição, não há como proibir o acesso das igrejas aos canais de comunicação social, algo legítimo e democrático que possibilita a comunicação com seus fiéis. Contudo, a propriedade de empresas de radiodifusão pode ser perfeitamente delimitada pela legislação.

Ao que parece, a outorga indiscriminada de canais de televisão por radiodifusão às igrejas é ofensiva ao princípio republicano. As políticas públicas de comunicação social devem favorecer aos interesses laicos e não religiosos, justamente por se tratar de um recurso escasso pertencente a toda coletividade.

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