quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Modelo Norte-americano de TV Por Radiodifusão

O modelo norte-americano de televisão está baseado na Primeira Emenda da Constituição que garante a liberdade de expressão. Tal dispositivo prevê que nenhuma lei poderá restringi-la, o que configura uma importante proteção para aquele que pretende divulgar notícias e (ou) opiniões e que dispõe da propriedade privada de uma estação de televisão. Trata-se de uma liberdade que serve como base por intermédio da qual se assentam as demais liberdades dos cidadãos norte-americanos.

A partir dela, quanto aos serviços de radiodifusão, a jurisprudência, as leis e a prática desenvolveram uma série de outros sub-princípios: interesse público, pluralismo de vozes, mercado livre de idéias ou igualdade de oportunidades ou certas fórmulas (doutrina da eqüidade, regra de ampla utilização, discriminações positivas etc.).

Portanto, a regra é a proteção à liberdade. A exceção à regra é a restrição pelo poder público. Isto decorre da especial compreensão dos norte-americanos em torno do papel do Estado em face do mercado e da sociedade que é diferente do entendimento europeu e brasileiro.

Ela só pode ser restringida quando houver a demonstração de que a intervenção estatal será a miníma possível e cujo objetivo seja a satisfação do interesse público. Assim, nesse contexto, a legislação dispõe que o poder público possui a competência necessária para a outorga das licenças para o exercício da atividade de televisão, bem como para corrigir as falhas de mercado, de modo a condicionar o exercício da atividade ao atingimento do interesse geral.

A intervenção pública sobre o setor de radiodifusão centra-se basicamente no trabalho da Federal Commission Communication (FCC) que é uma agência encarregada das políticas reguladoras relacionadas aos serviços de telecomunicações (inclusive serviços de radiodifusão) oferecidos pelos mais variados meios: televisão, rádio, comunicações privadas, telefones celulares, satélites terrestres e orbitais, cabo, etc. O modelo de televisão exige o equilíbrio entre a necessidade de intervenção pública e a liberdade de mercado de televisão, protegida pela Primeira Emenda da Constituição.

Trata-se de um paradigma à margem da idéia de serviço público que serve à estruturação da televisão nos países europeus, inclusive o Brasil. Nos EUA a radiodifusão é qualificada como uma "public utility"; uma instituição que não se identifica com a noção européia de serviço público, eis que diferentes os pressupostos sociais, políticos e econômicos. O significado de "public utility" na língua portuguesa aproxima-se da idéia de um serviço privado, mas de interesse público.

Antigamente, era possível ver com maior clareza a diferença entre as fronteiras da "public utility" e da noção de serviço público, atualmente, elas não são tão nítidas.Apesar da complexidade na identificação das notas diferenciadoras, as categorias possuem identidade própria.

O serviço de televisão por radiodifusão é uma public utility totalmente diferente das demais public utilities, eis que está diretamente atrelado à concepção democrática e à liberdade de expressão. Em função disso, a "broadcasting regulation" implica sérias questões, particularmente quanto ao acesso ao meio de comunicação, regulação do conteúdo audiovisual e à produção e à veiculação de notícias de interesse público que possibilitem o debate público.

Nos EUA existem diversas concepções em torno da regulação dos meios de comunicação, cujo eixo principal deriva da interpretação da liberdade de expressão protegida pela Primeira Emenda à Constituição norte-americana.
De um lado, há aqueles que interpretam a Primeira Emenda no sentido de garantir a autonomia discursiva dos indivíduos, exigindo a abstenção do Estado na esfera individual (teoria libertária). De outro lado, há aqueles que a interpretam no sentido de ser um instrumento para a promoção da diversidade na esfera pública, o que exigiria uma atuação positiva do Estado em favor da ampliação do espaço a ser conferido a diversos grupos no debate democrático (teoria democrática). Esta classificação é adotada pelo autor Owen Fiss.
Em outras palavras, há uma divisão entre distintas concepções em termos de interpretação da Primeira Emenda da Constituição norte-americana, há aqueles que interpretam a liberdade de expressão de modo individual a proteger o autor do discurso; e há aqueles que a interpretam de modo a favorecer os objetivos democráticos, privilegiando os destinatários dos discursos.
Segundo Cass Sustein, ao tratar das teorias sobre a liberdade de expressão, existe a teoria referente ao "marketplace model", relacionada ao estabelecimento de regras básicas em termos de propriedade privada e contrato, que parte do pressuposto que o próprio mercado é que deve regular a oferta e demanda, razão pela qual o Estado deve respeitar as forças econômicas. A liberdade de expressão é entendida em termos de competição no mercado, daí a utilização da metáfora "marketplace of ideas" enquanto fator de explicação e legitimação do mercado e de restrição da intervenção estatal.
A regulação estatal é admitida na hipótese de existirem falhas de mercado, isto é, quando houver monopólios e (ou) oligopólios no setor econômico. Ademais, admite-se uma regulação quanto ao conteúdo limitada aos casos de "obscenity, false ou misleading commercial speech and libel".
Por outro lado, o segundo modelo está baseado nos objetivos democráticos, os quais preconizam a democracia deliberativa, sendo a liberdade de expressão um dos elementos do sistema. Nesse caso, o mercado de informações não está imune ao controle estatal, daí porque é necessária a lei para a organização do sistema operado pelos radiodifusores.

É importante apontar alguns pontos em defesa da adoção da interpretação da liberdade de expressão de modo a proteger a autonomia individual e a democracia, algo que também se sustenta em face do direito brasileiro.

A propriedade privada pode ser também um perigo para o exercício da liberdade de expressão, pois, não só o Estado representa essa ameaça. Um mercado sem regulação representa um fator de risco para o exercício das liberdades de expressão. Nesse sentido, o risco inerente ao poder da ação estatal deve ser reduzido, especialmente mediante a limitação da regulação em relação aos novos meios de comunicação.

Não se confundem as categorias liberdades de expressão e a de poder privado das empresas de radiodifusão. Certamente, os direitos de propriedade são indispensáveis para a liberdade e prosperidade, entretanto o exercício ilimitado pode comprometer os objetivos democráticos.

Não é possível sustentar que os direitos de propriedade das empresas que possuem os meios de comunicação sirvam à exclusão da liberdade de expressão de pessoas, grupos e instituições que não possuem tais meios. Não é possível reduzir a interpretação da Primeira Emenda em favor da liberdade de expressão tão-somente daqueles que possuem recursos materiais ou dinheiro em relação àqueles que não possuem.

As questões constitucionais acima relacionadas que afetam a organização do modelo de comunicação norte-americano, particularmente a televisão por radiodifusão, são valiosas para a compreensão do modelo brasileiro, principalmente, porque auxiliam a investigação sobre a obrigatoriedade (e não apenas possibilidade) de atuação estatal em favor da diversidade da esfera pública, o que envolve o papel do Estado em face do mercado e do sistema de comunicação social.

O modelo de televisão dos EUA tem suas vantagens: regras em garantia da efetiva competição entre os agentes econômicos, diversidade dos meios de comunicação, independência da televisão pública em face do poder político, autoridade reguladora independente, proteção ao conteúdo local, etc. Entretanto, tal modelo também tem algumas desvantagens, principalmente, a hegemônica consideração das obras audiovisuais como mercadorias e não como uma manifestação das culturas presentes na sociedade. Em outras palavras, há uma excessiva valorização do mercado e, principalmente, do conteúdo audiovisual voltado ao entretenimento.

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